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CAVALARIA X RAMO PIONEIRO – Verdade ou Mito?

Senhoras e Senhores

Assim como prometido durante a semana, vou falar sobre um assunto que vai ser um tanto polêmico. De início quando o Pioneiro Vitor Caliari do 25/ES Grupo Escoteiro Jequitibá da cidade de Aracruz me sugeriu o tema eu fiquei muito interessado, até mesmo pelo fato de ser pioneiro, mas não esperava que o assunto em si tivesse uma natureza mais delicada.

Sem mais mistérios, vamos falar hoje sobre:

“Cavalaria(Lendas do Rei Arthur) X Ramo Pioneiro”

Logo após receber a sugestão do Vitor, meu primeiro passo foi ir atrás de informações. Assim, entrei em contato com Luiz Cesar de Simas Horn que é gerente nacional de métodos educativos da UEB e que também trabalha na parte de pesquisas, tradução e edição de livros de B.P. e sobre o movimento escoteiro, ou seja, o cara sabe do que está falando.

Conversando com ele descobri que na realidade essa relação nunca existiu, e que tudo não passa de um mal entendido com algumas frases de Baden Powell que foram mal interpretadas por algumas pessoas e passadas adiante como se fossem a mais absoluta verdade. E digo a vocês que isso não é nenhuma novidade. Um exemplo simples disso são as canções escoteiras que passando de geração em geração chegaram a ter suas letras mudadas por que em algum momento alguém entendeu errado uma palavra e passou adiante.

Dai você me pergunta: -Cesar, por que você não vai direto ao assunto?

E eu te respondo! Não vou direto ao assunto porque sei que tem muita gente que sempre relacionou o ramo pioneiro com as lendas da cavalaria. Eu mesmo, confesso que me surpreendi! Passei toda a minha vida escoteira acreditando que essa ligação sempre existiu! Mas também faço questão de que leiam esses trechos a seguir retirados de 3 textos que falam do assunto.

Rei Arthur

Para começarmos, temos que entender sobre o fundo de cena. Segundo Luiz Paulo Carneiro Maia(Psicólogo, DCIM, Coordenador de formação da Região Escoteira do RJ)

“Quando se dispôs a utilizar o Método Escoteiro como instrumento de educação para crianças mais novas, Baden-Powell avaliou com bastante propriedade as vantagens de tirar proveito da justaposição entre realidade e fantasia que, nessa fase da vida, exercem ambas a mesma atração sobre as mentes infantis. Valores como lealdade, disciplina, amizade, fraternidade, coragem, respeito e solidariedade, entre outros, podem ser melhor compreendidos pelas crianças, no ramo lobinho, quando lhes são transmitidos por meio da associação com situações e comportamentos “observáveis”, envolvendo personagens que se movimentam no interior de um fundo de cena. Para compor este fundo de cena, B-P escolheu a obra O LIVRO DA JÂNGAL, de Rudyard Kipling, resumido em MOWGLI, O MENINO-LOBO, onde se desenvolve todo um segmento do Programa de Jovens que enfatiza, justamente, a socialização da criança, preparando-a para que, ao atingir a idade e as condições necessárias, prossiga sua formação, no Ramo Escoteiro.”

O Livro da Jângal - The Jungle Book

Realmente devo concordar que a utilização da história do Mowgli da outro aspecto para o ramo lobinho e o diferencia de todos os outros, deixando claro que tem uma base lúdica e é voltado para crianças. Ainda segundo Luiz Paulo:

A denominação de Alcatéia que se dá à seção, sua divisão em matilhas, a utilização de uma gruta, as vozes de comando, o grande uivo e a ampla utilização dos episódios narrados em O LIVRO DA JÂNGAL tudo isso se une, no Ramo Lobinho, para compor o fundo de cena onde se desenrola todo o processo de educação não-formal que o Movimento Escoteiro oferece às crianças entre os sete e os dez ou onze anos. Assim, no Ramo Lobinho – e só no Ramo Lobinho – o Escotismo explora um fundo de cena que, como no teatro, recorre à imaginação do educando, transportando-o para um mundo de fantasia onde “viver” em companhia dos personagens facilita e dinamiza o processo educativo, a ele imprimindo uma feição mais atraente e de efeito mais profundo e duradouro.

Pois bem, acho que temos bem claro o fato do fundo de cena fazer parte do ramo Lobinho e não dos outros ramos e com isso entramos na questão do ramo Pioneiro e as lendas do Rei Arthur e seus Cavaleiros. Nessa parte, é fundamental que saibamos o motivo pelo qual se criou essa relação.  No texto de Héctor Carrer(Bureau Mundial Escoteiro da Região Interamericana), escrito em setembro desse ano, “Rovers… Volver a las fuentes” ou traduzido “Pioneiros… retorno as origens”, ele explica os motivos para essa conclusão errada.

Se analisarmos os marcos simbólicos tradicionais dos outros ramos entenderemos que denominamos:

Lobinho – as crianças, porque remete ao mito do menino criado em uma alcatéia de lobos.

Scouts(Escoteiro e Sênior) – aos adolescentes porque remete ao mito dos exploradores, os homens dos bosques, os expedicionários, os descobridores.

Rover(Pioneiro)– aos jovens porque remete ao mito do viajante, do homem ou a mulher que saem a percorrer o mundo para transformá-lo e para transformarem a si próprios, durante essa viajem. Nenhum elemento do marco simbólico tradicional no ramo faz alusão aos cavaleiros ou a lenda do Rei Arthur, esta é uma distorção que surgiu a partir de traduções erradas de textos em espanhol, realizadas pelos mexicanos(e reconhecidas por eles mesmos com um grave erro de interpretação)”

Ou seja, tudo não passou de um mal entendido na hora de traduzir os textos, mas muita gente associa(sem saber desses fatos) o ramo e as lendas. Para ilustramos selecionei uns trechos do texto de João Rodrigo França, escotista do Rio de Janeiro.

Diz ele: “A faixa etária atendida pelo Ramo Pioneiro – o limiar entre o final da adolescência e o início da idade adulta –  prescinde da maneira mais absoluta de um fundo de cena. Quando se trata de desenvolvimento pessoal e de preparação para o correto desem­penho dos diferentes papéis sociais que a eles estão reservados, nada justifica, portanto, que a presença de uma lenda  – que só difere da lenda do Povo Livre da jângal porque seus perso­nagens são humanos, e não animais humanizados –  seja objeto de um culto tão valorizado por alguns adultos e jovens adultos que deixaram há muito, lá no passado da infância, as delícias do pensamento mágico. Respeitadas as características essenciais de um fundo motivador, pode-se, até, ad­mitir que o Ramo Pioneiro se reporte às virtudes dos cavaleiros medievais como um padrão de caráter digno de ser imitado. Arthur e os cavaleiros que com ele se sentavam aos redor da Távola Redonda representam, efetivamente, os elevados ideais da cavalaria medieval?”

Chegamos ai na grande questão! Segundo o autor os pioneiros podem sim buscar as virtudes dos cavaleiros, mas devem cuidar com o excesso de mistificação em torno dos mesmos.

Se nada justifica a existência de um fundo de cena no Ramo Pioneiro, muito menos se pode conceber a quase veneração que alguns escotistas e pioneiros exibem diante da lenda do Rei Arthur. Parece ser em razão dessa veneração que surgem em alguns rituais e cerimônias observados pelo Ramo, manifestações de um misticismo quase doentio, que ocupa o lugar reservado pelo Método Escoteiro para uma mística saudável e esclarecida, que apoia um programa educativo cuja ênfase se concentra no processo de integração do jovem ao mundo adulto que passa a ser o seu, privilegiando, sobretudo o serviço à comunidade, como expressão de cidadania, e auxiliando-o a pôr em prática os valores da Promessa e da Lei Escoteiras no mundo mais amplo em que passa a viver. A mística deve servir para marcar o Pioneirismo como uma fraternidade de vida ao ar livre e de serviço ao próximo, constituída por jovens adultos, com as finalidades claramente definidas na Regra 102 do p.o.r. O misticismo tende a converter alguns dos nossos Clãs em uma espécie de entidade exótica onde adultos e jovens adultos se comportam aos olhos alheios como seres alienados da realidade, isolados da comunidade que integram e bem pouco interessados em ampliar seus efetivos, como pólo de atração para os que deixam o Ramo anterior e para jovens estranhos ao Movimento que poderiam se interessar por uma autêntica fraternidade de vida ao ar livre e de serviço ao próximo.”

Confesso a vocês que eu nunca presenciei algum tipo de misticismo doentio nos clãs pioneiros, mas concordo que se isso existe deve haver uma conscientização, pois todos fazemos parte do mesmo movimento e ramo nenhum pode querer se individualizar ou sobrepor ao todo. É fato que cada clã, tropa e grupo têm suas próprias tradições ao redor do mundo, mas isso não deve ser confundido com a criação de uma nova “cultura pioneira”. Claro que no caso das lendas da cavalaria é algo totalmente diferente, pois não é um erro cometido propositalmente, então não cabe a ninguém julgar uma possível “falta de conhecimento”, mas é preciso entender também que devemos ter nosso foco voltado ao trabalho com a comunidade e ao nosso crescimento próprio na fase de transição entre a adolescência e a vida adulta e que pode claro, ser pontuado com alguma mística.

Finaliza João Rodrigo: “Assim como existem Clãs que se conservam apegados à mística exacerbada que chega a se confundir com o misticismo, também existem aqueles que puseram de lado a fantasia de Arthur e seus cavaleiros e que alcançaram, por este caminho, resultados bastante animadores que se refletem em: Redução da taxa de evasão do ramo; Aumento do efetivo do Clã,  com a captação de jovens que não participavam do Movimento Escoteiro e Desenvolvimento de excelentes projetos. O que se observa, nas Regiões Escoteiras que decidiram apostar na formação de adultos como forma de eliminar o misticismo, é que aumentou o número de GE’s onde está presente o Ramo Pioneiro e cresceu substancialmente o número de jovens que, depois dos 21 anos, seguem atuando como escotistas ou dirigentes nos GE’s em que foram pioneiros. O principal resultado, entretanto, só poderá ser aferido mais adiante, quando os jovens ex-pioneiros começarem a ocupar os espaços que a eles estão destinados, como cida­dãos firmes de caráter, participativos, limpos de pensamentos, leais, construtores da paz, solidários, amantes da natureza, coerentes em sua fé, impregnados, por fim, das caraterísticas que resultam da vivência correta da Promessa e da Lei Escoteiras.”

É claro que, mesmo sabendo desses fatos muita gente ainda se posiciona a favor da lenda dos cavaleiros. É o caso do Pioneiro Vitor que me sugeriu esse tema, logo depois da minha pesquisa eu conversei com ele sobre o fato que havia descoberto e ele me disse: “Sou a favor mesmo assim, porque a base do ramo Pioneiro é servir a Deus e a Pátria, da mesma maneira que os cavaleiros.” E realmente, se for para usar os ideais de honra dos cavaleiros, que até mesmo B-P descreveu como exemplo, não é preciso criar pano de fundo nenhum e nem mesmo mitos sobre essa história para que se use esses valores.

Contudo, nossos deveres como PIONEIROS são simplesmente SERVIR a Deus, a pátria e ao próximo, assim como prometemos um dia, já a maneira como o faremos fica a cargo de cada um. É preciso ter sempre em mente que fazemos parte do movimento escoteiro para crescermos como seres humanos e a melhor maneira de se abordar esse tema será com o debate, pois querendo ou não essa cultura já está enraizada em muitos grupos escoteiros e não irá mudar de uma hora para outra por uma simples imposição. É preciso também que se explique nos cursos de formação os benefícios do método educativo e quais as reais aplicações da mística pioneira, mas acima de tudo temos de buscar o equilíbrio, pois só assim chegaremos numa conclusão saudável para todos.

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E você? Qual a sua opinião?

Nos deixe um comentário dizendo o que pensa sobre o assunto!

Um grande abraço a todos!

Sempre Alerta para Servir Y

Post de: Cesar Wild